As partículas produzidas usam fragmentos de proteínas para simular o vírus inteiro e ativar a resposta imune. Foto: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan
Por Assessoria de Imprensa/Governo do Estado de SP
Uma plataforma tecnológica feita no Instituto Butantan a partir do vírus Zika pode ajudar no desenvolvimento de uma vacina contra a doença, de acordo com estudo publicado na editora de pesquisa suíça Frontiers in Pharmacology. Os pesquisadores desenvolveram VLPs (do inglês virus-like particles), partículas que “imitam” o vírus, uma técnica que já é usada em outros imunizantes, como do HPV e da hepatite B.
Ainda sem vacina disponível no mercado, o Zika tem como principal impacto a microcefalia (malformação do cérebro), que acomete recém-nascidos de mães que foram infectadas durante a gestação.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem registros de circulação do vírus em 89 países. No Brasil, o Zika foi responsável por 50% das 3,7 mil infecções congênitas (transmitidas da mãe para o bebê) confirmadas entre 2015 e 2022, de acordo com o Ministério da Saúde.
Diferente de vacinas inativadas ou atenuadas, as VLPs não utilizam o vírus inteiro e não contêm material genético viral, somente fragmentos de proteínas. Elas se agrupam e formam uma partícula semelhante ao vírus que “engana” o organismo, ativando a resposta imune.
“As VLPs conseguem induzir alta resposta celular porque entram nas células, como os vírus, mas são incapazes de se replicar e causar doença. E as VLPs que acabam ficando na circulação sanguínea ativam a resposta de anticorpos”, afirma a pesquisadora Soraia Jorge, diretora do Laboratório de Biotecnologia Viral do Butantan, que coordenou o estudo.
As partículas foram produzidas em células de inseto, utilizando um baculovírus recombinante que carrega informações genéticas do Zika (e não infecta humanos). Na cultura celular de insetos, ambos se multiplicam. “Formam-se dois lotes: baculovírus modificados e VLPs de Zika, que nós conseguimos separar para obter somente as VLPs purificadas”, explica a cientista.
Nesse momento, as VLPs estão prontas para serem testadas em animais para avaliar a segurança e imunogenicidade (capacidade de provocar resposta imune). Segundo Soraia, testes pré-clínicos conduzidos em outros países já demonstraram que partículas semelhantes ao Zika são imunogênicas, então a expectativa é que os resultados sejam positivos.
Além de ser segura e comprovadamente eficaz, a plataforma estudada há décadas pode ser aplicada no desenvolvimento de outras vacinas. “Podemos usar esse mesmo sistema de células de inseto em qualquer vírus semelhante ao Zika, como febre amarela e dengue, que são outros arbovírus. Temos estrutura e know-how para isso”, destaca Soraia, que também desenvolve VLPs do vírus da raiva e do SARS-CoV-2 por meio de outros sistemas. É possível produzir essas moléculas em bactérias, leveduras, plantas transgênicas e células de mamíferos e insetos.
Zika pode causar microcefalia e síndrome de Guillain-Barré
O Zika é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti – o mesmo que transmite dengue, chikungunya e febre amarela. A transmissão entre humanos também pode ocorrer de mãe para filho durante a gestação, ou por meio do contato sexual e transfusão de sangue. As principais complicações associadas à doença são a microcefalia e outras malformações em bebês e, em adultos, a síndrome de Guillain-Barré, doença do sistema nervoso caracterizada por fraqueza muscular, formigamento ou perda da sensibilidade.
O diagnóstico da doença é um desafio e a maioria das pessoas não apresenta sintomas. Nos casos sintomáticos, ocorre erupção cutânea, febre, conjuntivite, dores musculares e articulares, mal-estar e dor de cabeça, que duram de 2 a 7 dias. Como são sinais comuns a outras arboviroses, o diagnóstico precisa ser confirmado em testes laboratoriais.
“O desenvolvimento de uma plataforma de vacinas considerada segura, especialmente para aqueles que apresentam alto risco de sofrer os efeitos da infecção pelo Zika, como indivíduos imunocomprometidos e mulheres grávidas, é de extrema importância e uma prioridade de saúde pública”, ressalta o artigo dos pesquisadores do Butantan.